Pense dentro da caixa
Já se tornou um clichê, tanto no mundo educacional quanto no mundo profissional: “think outside of the box” (pense fora da caixa). Nessa reflexão, eu insisto para que façamos o contrário. Pense dentro da caixa.
Um dos experimentos mais simples da parte do conteúdo de óptica, é também um dos experimentos mais poderosos para trabalhar aprendizagem baseada em projetos, aprendizagem por descoberta, e ainda gerar discussões históricas e atuais bem interessantes. Estou me referindo ao experimento da câmara escura. A câmara escura é um tipo de objeto óptico que esteve na base da invenção da fotografia no início do século XIX. Ela consiste em uma caixa fechada, que pode ser de qualquer tamanho, desde uma caixa de sapato até o tamanho de uma sala, em que um orifício é feito em uma de suas faces enquanto a face oposta ao orifício é utilizada como tela de projeção, onde, quando a luz entra, forma uma imagem de um objeto invertida e enantiomorfa (espelhada).
O Conjunto de Óptica (Basic) da Azeheb, traz, entre outras várias possibilidades de experimentos, uma parte para tratar da câmara escura.
![]() Representação do experimento da Câmara escura da Conjunto de Óptica da Azeheb. |
Uma abordagem interessante desse conteúdo em sala de aula, é justamente usando a ideia de pense dentro da caixa. Você, professor, pode fazer com seus alunos câmaras escuras em que eles colocam a cabeça dentro da caixa para observar o fenômeno. Basicamente o material necessário são caixas de papelão, tesoura, papel alumínio, fita multiuso e sulfite.
![]() Modo de fazer o experimento da câmara escura |
É interessante que se faça esse experimento em duplas, um dos alunos põe a cabeça dentro da caixa, e enquanto se acostuma com a escuridão e sem tirar a cabeça de lá, o seu parceiro vai fazendo furos no papel alumínio. Começando com um furo pequeno e vai aumentando aos poucos. Enquanto isso, o observador fica atento dentro da caixa para notar qualquer alteração. As possibilidades de exploração desse simples experimento são imensas. Peça para os seus alunos notarem, a orientação da imagem formada dentro da caixa, é invertida cima-baixo? E quanto a esquerda-direita? É possível o foco estar em duas imagens de diferentes distâncias ao mesmo tempo? Dá pra ver cores? Qual imagem fica maior, a mais próxima ou a mais distante? Se o buraco for aumentado o que acontece? E quanto a nitidez, fica melhor com o buraco maior ou menor?
Para esta atividade, você pode mostrar o princípio básico da câmara escura antes da realização da atividade deixando claro o que quer que os alunos observem, ou pode deixar que seja totalmente surpresa e fazer uma discussão após a realização.
O funcionamento da câmara se dá pelo fato dos raios de luz, do sol por exemplo, serem refletidos por todos os pontos de cada objeto. Essa luz que se propaga em linha reta, atinge a parte externa da caixa exceto o ponto onde tem o orifício. Cada raio de luz que atravessa o orifício, carrega uma imagem do ponto onde a reflexão foi originada.
![]() Exemplo de Câmara Escura |
Como mostrado na figura acima, o raio que vem do topo da cabeça do homem, se projeta na parte de baixo da caixa, enquanto que o raio que vem dos pés, projeta-se na parte de cima da caixa, formando uma imagem invertida. Isso prova os dois primeiros princípios da óptica geométrica, que diz que a luz se propaga em linha reta em meios homogêneos e que há sempre independência dos raios de luz.
Quanto mais longe o objeto estiver do orifício, menor será a sua imagem. O tamanho do orifício influencia na nitidez, quanto maior, mais clara fica a imagem, porém, menos nítida. Quanto menor, mais nítida ficará a imagem, porém mais escura. Esse é um embate clássico das câmeras fotográficas; equilibrar brilho e nitidez. As câmeras fotográficas, assim como nossos olhos e também como a câmara escura, só consegue focar em um ponto por vez. A área que se estende desse ponto tanto para frente quanto para trás que ainda aparece nítida numa foto é chamada de profundidade de campo. De forma geral, quanto menor a abertura da lente, ou do orifício, no caso da câmara escura, maior é a capacidade de ter objetos tanto a frente do ponto de foco como atrás, com nitidez. Porém, com a abertura da lente reduzida menos luz entra na câmera o que tem que ser compensado pelo tempo de exposição.
Outro tema que pode ser abordado ao fazer o experimento da câmara escura é o funcionamento dos nossos olhos. Os nossos olhos funcionam como um tipo de câmara escura, onde a pupila faz o papel do orifício. Em ambientes com grande luminosidade a pupila pode atingir um diâmetro de até 1,5mm, já em ambientes mais escuros, a pupila se dilata a um diâmetro de até 10mm. A adaptação a escuridão pode levar vários minutos, por isso é interessante que o aluno fique com a cabeça dentro da caixa sem tirá-la por um tempo. Essa adaptação faz com que os nossos olhos fiquem até um milhão de vezes mais sensível à luz do que quando estamos no claro em plena luz do dia. Os nossos bastonetes são bem mais sensíveis do que os cones, por isso, a princípio, os alunos verão as imagens sendo formadas em preto e branco, e depois de aumentar o orifício, que mais fótons de luz sejam capazes de entrar a imagem vai se tornando colorida.
Há muitas possibilidades de exploração e descoberta com o experimento da câmara escura. Há possibilidades também de projetos interdisciplinares com arte e história, por exemplo, na construção de uma câmara tamanho família, onde os alunos possam entrar andando e observar a imagem projetada, desenha-la e estudar a história da fotografia.
Olhando por essa óptica, “pensar dentro da caixa”, pode ser algo surpreendente e enriquecedor.
![]() Câmara Escura Castelo de São Jorge – Portugal |